Os 4 Campos do Design

terça-feira, 27 de janeiro de 2009 | |

Você faz o que?
"Então, você desenha máquinas para indústrias? É isso que você que dizer?" Muitos de nós ao invés de nos considerarmos "designers industriais" passamos a dizer que somos "designers de produto". Mas a dificuldade é maior se o seu trabalho não se encaixa perfeitamente no mundo comercial - a parte experimental, a parte artística, ou a parte não rentável.

As confusões são compreensíveis. Não só a profissão nunca teve uma série de televisão própria com um título abreviado para facilitar o entendimento do popular (E.R., CSI, L.A. Law, Dr. 90210), bem como a disciplina é relativamente nova, imensamente abrangente, e sempre crescente. O que é difícil de reconhecer no entanto, é a confusão que existe dentro do próprio design industrial: que atividades os designers de produto reconhecem, são sua favoritas ou consideram legitimas? Quais são as bases da nossa profissão e como essas bases são comunicadas para o mundo?

O design é uma bagunça
O problema é que, de fato, o design é praticamente uma bagunça. Vá em frente e tente entender a abrangência dos termos soltos por aí: design centrado no usuário, eco-design, design para os outros 90%, design universal, design sustentável, design interrogativo, design centrado em tarefa, design reflexão, design para o bem-estar, design crítico, design especulativo, re-design especulativo, design emocional, design socialmente responsável, design verde, design conceitual, design de conceito, design lento, design dissidente, design inclusivo, design radical, design de necessidade, design ambiental, design contextual e design transformativo.

Sem uma ordem, de fato taxonômica, um modo de organizar a atividade do design, estamos nos vendendo por pouco; não só temos dificuldade de entender a profissão nós mesmos, assim como comunicar para o mundo nossa potência, abrangência e impacto potencial. No final da contas, parecemos espalhados e "designy" (aqui o autor usa um termo onde o y no final das palavras em inglês é diminutivo, seria o equivalente a "designerzinho") - em um sentido em que a palavra é depreciativa.

Como acadêmicos responsáveis em tentar fazer esta "salada" fazer sentido para os alunos, nos sentimos como aqueles profissionais de reforma de shows de televisão onde ele se depara com uma garagem toda abarrotada. Então depois de alguns longos dias e uma lista de capacidades, apresentamos aqui tudo organizado ordenadamente em 4 categorias. Eis a Garagem do Design - a categorização da atividade do design-objeto em quatro campos primários: Design Comercial, Design Responsável, Design Experimental e Design Discursivo. Vamos olhar mais de perto cada um, focando nos príncipios, critério para o sucesso, e intenções primárias.

Design Comercial
O Design Comercial é o que consideramos comumente como desenho industrial/produto e compreende a grande maioria de nossa atividade profissional. Este é o design orientado ao trabalho, e conduzido pelo mercado. O sucesso é definido pelos termos econômicos - retorno suficiente do investimento. O objetivo primário do designer é criar produtos úteis, utilizáveis e desejáveis, que o consumidor possa pagar e gere um lucro adequado.

Com o iPhone, temos o que é considerado rudimentarmente um "gadget" (não há aqui uma tradução muito adequada, o mais próximo seria "apetrecho), seja pela sua forma sedutora ou sua função sofisticada. Provou ser bastante rentável para a Apple, considerando que entre o anúncio de sua venda em janeiro de 2007 até chegar as lojas, seu valor nas bolsas subiu 65%, e então um aumento total de 135% até o final do ano.

Fora da área dos "gadgets", a cadeira Ghost da Kartell desenvolvida por Phillipe Starck, vendeu mais de 200.000 unidades em 2006. Sendo agora vendidas por $410 dólares na loja do MoMA, isto pode representar $80.000.000 de dólares no mercado de varejo. Embora seja simplesmente uma cadeira (altamente rentável), Starck inclui o elemento de "conceito" no seu design, capturando o estilo clássio da cadeira Louis XV, mas utilizando plástico policarbonato do século 21. Aparte desta qualidade talvez "artística" e seu conteúdo intelectual, ainda assim é um objeto desenvolvido utilizando processos industriais de ponta para um mercado de massa, com a principal intenção de gerar lucro a Kartell.

A motivação primária do Design Comercial (embora não somente) é gerar dinheiro.

Design Responsável
O Design responsável engloba o que é largamente compreendido como design socialmente responsável, motivado por uma noção de serviço mais humanitária. Aqui o designer trabalha com o intuito de prover produtos úteis, utilizáveis e desejáveis para aqueles que são em grande parte ignorados pelo mercado. Questões como estética, compaixão, altruísmo e filantropia cercam o trabalho, seja para consumidores em países em desenvolvimento, como em países desenvolvidos. Mesmo que o Design Responsável possa e geralmente ter uma relação com o mercado - estando "comercialmente disponível" - seu objetivo primário não é a maximização do lucro, ao invés disso é servir aos desfavorecidos.

O laptop XO do programa One Laptop Per Child (OLPC) é um exemplo que gerou bastante repercussão na imprensa nos últimos anos. É típico neste caso que o dispositivo esteja comercialmente disponível (para governos e organizações de ajuda), embora seu meio de distribuição ou seu intuito filantrópico não sejam convencionais.

Outro exemplo que ajuda a fazer a distinção entre o Design COmercial é o conjunto de talheres Ableware "one-handed", que com a ajuda de um mecanismo de mola corta um pedaço de comida em um tamanho que permite que seja espetado com um simples movimento para baixo. Com este produto, pessoas amputadas ou com problemas que limitam sua destreza podem alimentar-se sozinhas mais independentemente.

(Pode ser útil comparar o Ableware com a OXO Goodgrips, onde Sam Ferber quis criar um produto em massa comercialmente viável, através de puxadores (handles, no original, que podem ser manoplas, cabos, etc) mais confortáveis e com mais aderência. Embora tenha se inspirado em sua esposa, ele viu "uma oportunidade de mercado de 20 milhões de americanos que sofriam de artrite como sua a Besty" e subsequentemente "entrevistou revendedores e compradores para identificar os produtos mais vendidos e ítens mais importantes" para os primeiros produtos da OXO. Produtos com "responsabilidade" podem certamente serem rentáveis, mas duvidamos que se Farber não tivesse visto uma oportunidade de negócio tão viável, ele não teria ido adiante com o projeto. Por isso, a Ableware é o mais puro exemplo de Design Responsável e classificaríamos a OXO como Design Comercial - intenção primária - mas que também possui uma forte intenção secundária em relação a um mercado de certa forma ignorado.

A motivação primária do Design Responsável (embora não somente) é ajudar aqueles que necessitam.

Design Experimental
O Design Experimental representa uma fatia relativamente estreita dentro do amplo campo do design, e sua intenção primária é exploração, experimentação e descoberta. O Design Experimental é definido talvez mais pelo processo do que pelo resultado. Em sua forma mais pura, não é motivado por um objetivo final de aplicação, mas ao invés disso é motivado por uma curiosidade - um inquérito em, por exemplo: uma tecnologia, uma técnica de produção, um material, um conceito, ou uma questão estética. Muitos dos trabalhos na MIT's Media Lab é bastante típico deste tipo de design: investigações tecnológicas que geralmente são obtusamente práticas ou relevantes para o imediato ou o dia-a-dia.

O grupo Suíço, Front Design, criou o Animals Project como um meio de explorar as possibilidades de uma produção que não fosse mediada por seres humanos. "Nós perguntamos a animais de eles nos ajudariam (a desenvolver produtos). 'Claro que nós os ajudaremos', eles responderam. 'Façam algo legal,' nós dissemos a eles. E eles fizeram."

O resultado foram objetos do cotidiano: um papel de parede que foi "decorado" por um rato, um molde de uma luminária derivado da toca de um coelho, ganchos de parede formados por cobras constritoras, um abajur criado após o percurso de uma mosca em volta de uma lâmpada ser gravado, um vaso cujo molde foi tirado da pegada de um cachorro em neve profunda e uma mesa em que o tampo é resultado do caminho deixado por besouros que consomem madeira. Nenhum desses produtos foi comercializado; sua intenção não era ser viável, mas no entanto eles utilizaram a forma do produto como meio de investigar idéias de aleatoriedade e meditação dentro do contexto de produtos de larga escala e objetos do dia-a-dia.

A motivação primária do Design Experimental (embora não somente) é explorar.

Design Discursivo
O Design Discursivo se refere a criação de objetos utilitários cujo objetivo primário é comunicar idéias - elas encorajam o discurso. Essas são ferramentas para o pensar; elas sensibilizam, buscam a compreensão do material, além de questões com consequências psicológicas, sociológicas e ideológicas. O Design Discursivo é o tipo de trabalho geralmente menos visível no mercado (apesar de certamente existir), mas é mais frequentemente visto em exibições, impresso e em filme. Aqui é onde o design chega a encostar mais proximamente da arte. Importante ressaltar, no entanto, estes são objetos de utilidade que carregam idéias; e para serem considerados design e não arte, eles funcionam (ou poderiam funcionar) no mundo cotidiano, mas sua voz discursiva é o mais importante e no final das contas, sua razão de ser.

O Placebo Project, de Anthony Dunne e Fiona Raby, é um forte exemplo do Design Discursivo, onde eles queriam gerar um debate e chamar a atenção em relação a função e consequências da tecnologia na vida contemporânea através do tópico do espaço Hertziano - os campos quem envolvem as ondas eletromagnéticas invisíveis geradas por aparelhos eletrônicos. Um objeto desta série é a Compass Table, que é uma mesa comum, sem ornamentos, onde em seu tampo foram colocadas 25 bússolas. A mesa funciona como qualquer outra deveria funcionar. No entanto, quando por exemplo, um telefone celular em cima da mesa toca, fazem as agulhas dos compassos "dançarem" tornando visíveis as ondas eletromagnéticas que estão presentes em casa e ao redor das pessoas.

Outro exemplo mais literal pode ser encontrado no trabalho do brasileiro Rafael Morgan, Indigestive Plates. São pratos de cerâmica tradicionais, com uma mensagem sobres pobreza e fome impressos em tinta termocromática. A temperatura ambiente os pratos parecem convencionais, mas quando o convidado para jantar está para terminar sua refeição quente, ele é confrontado com uma mensagem como:" Todo dia 16.000 crianças morrem de causas relacionadas a fome." Morgan imagina "o que aconteceria se disfarçarmos alguns destes pratos em um restaurante esnobe... ou talvez em uma importante reunião política." Aqui, um produto oferece a utilidade típica, mas é principalmente designado a instigar e literalmente carregar uma mensagem provocativa.

A motivação primária do Design Discursivo (embora não somente) é expressar idéias.

A conclusão
Tendo apresentado os previamente citados exemplos de produtos dos quatro campos, escolhemos as mais puras versões de cada. Como mencionado, esta estrutura é baseada na intenção primária do designer, mas, reconhecemos completamente a realidade de motivações múltiplas. É importante enfatizar que uma categoria não é completamente destinta uma da outra - há sobreposição.

Na verdade, é raro para qualquer produto que ele seja "puro", no sentido de que ele é resultado de uma única extensão (por ex., lucrabilidade, serviço, experimentação, ou voz). A maioria dos produtos é resultado de intenções múltiplas, como o interesse da OXO em ter produtos de sucesso comercial que também servem aos que apresentam dificuldades de destreza.

Um grande exemplo de "impureza", ou mais apropriadamente, um "híbrido" é o saleiro e pimenteiro Hug, desenvolvidos por Alberto Mantilla. Eles tem bastante sucesso comercial, no entanto, possuem também uma forte e intencional voz discursiva. São ambos antropomorfizados abstratamente, que diferem apenas na cor - um preto e um branco. Com seus braços curtos e gordinhos, parecem abraçar um ao outro. Como descrito pelo designer: "Sua própria natureza conota irmandade. O uso do preto e branco sugere que somos todos irmão e irmãs neste planeta e deveríamos tratar uns aos outros com carinho, compaixão e respeito." Para realmente entender se são objetos comercias ou discursivos, teríamos que entender qual a intenção primária do designer, que pode nem sempre ser "lida" somente através dos objetos - especialmente os "híbridos". Junto com esta conclusão, deve-se também enfatizar que todos os quatro campos representam relatividade - ao invés de estados absolutos; os objetos variam em sua capacidade comercial, exploratória, responsável e discursiva.

E daí?
Pode parecer fácil reagir a esta conceitualização dos quatro campos como uma interessante contribuição para a teoria do design, mas seria realmente "aplicável" no complexo ambiente prático do design? Como autores/acadêmicos/designers que confrontam diariamente a teoria/prática, estamos confiantes de que há importantes implicações desta estrutura para designers, a profissão em si e os consumidores.

1. Em primeiro lugar, sabemos por experiência própria, que de acordo com os alunos e profissionais experientes, que uma sensação de conforto e alívio surge da legitimação que vem da gama de seu trabalho e idéias. Há muito profissionais que tem trabalhos "paralelos" - considerando-os "conceituais", as vezes escondendo, ou referindo-se a eles como "design-art" em seus sites. (Este foi o caso em certo ponto para Scott Wilson, Mike e Maaike, por ex.). Esta abordagem dos quatro campos oferece reconhecimento e desafia o legado dominante do século 20 em relação ao design industrial e sua intrincada rede de ligações com o mercado e seu foco na resolução de problemas.

2. Similarmente, uma vez que a gama do design é reconhecida e "sancionada", as forças podem se reunir ao redor e mover-se em sua direção com todo seu potencial, De muitos maneiras, foi isto que aconteceu na última década em ralação ao Design Responsável. Agora nós compreendemos o que é, como se relaciona a profissão, e iniciativas de corporações "pro-bono" e grupos como o Project H são entendidas, valorizadas e estão se tornando "mainstream". Nós imaginamos que uma vez que o IDSA adicione em sua seção de interesses profissionais o Design Discursivo e o Design Experimental, veremos os mesmos tipos de avanços que ocorreu desde o estabelecimento de seções de design responsável como Design Universal e Design para Maioria.

3. Já que esta estrutura é baseada na intenção do design, isto pode ajudar os designers a entender e focar melhor seus projetos. Os campos ajudam o designer a ir direto a sua intenção geral e como a sobreposição (híbridos) podem ajudar ou prejudicar, assim como se o contexto de uso/consumo entra em jogo.

4. Profissionalmente, este esquema também ajuda o design de produto/industrial a comunicar-se melhor com o mundo em que atua. Uma vez que entendemos as várias intenções e papéis que podemos assumir, melhor poderemos clarificar e sermos levados a sério, da maneira que pretendemos. Aqueles que trabalham em áreas mais brutas do comercial, podem facilmente distinguir suas atividades dos demais, e vice-versa. Design Experimental ou Design Discursivo, que podem remeter a arte ou frivolidade, tem meios de expressas sua distinção e valor dos demais.

5. A inclusão formal de outros modelos de design além do comercial, no coloca acima do papel de mão de obra industrial; nossa profissão pode ser vista com capacidade de servir uma margem intelectual e social maiores. Ajuda a estabelecer designers como importantes cidadãos locais e globais bem como influentes agentes culturais.

6. Com esta estrutura, os consumidores de design tem uma base mais bem estabelecida para entender a intenção e portanto tem base para avaliação. O Experimental e o Discursivo tem frequentemente sido comparados com o Comercial erroenamente e sujeitados a mesma medida para o sucesso (comentários em blogs são notórios por isso). Quando o consumidor está ciente das intenções do designer, mais eficaz será o efeito da comunicação: o designer está mais satisfeito pois o objetivo de um objeto é compreendido, e o consumidor pode focar melhor em que valor ele pode extrair do trabalho.

7. E finalmente, o consumidor consegue ver seu papel mudar de passivo (quando utiliza denominadores muito comuns do comercial) para um papel engajado mais ativo em um trabalho que demanda que o consumidor participe intelectualmente ou em debate.

Nomes e estruturas são poderosos. Nossa esperança é que o entendimento do cenário do design através destas simples quatro categorias - Design Comercial, Design Responsável, Design Experimental e Design Discursivo - irá ajudar a profissão, nossos "consumidores", e a nós mesmos entendermos melhor a atividade do design e finalmente seu potencial em um mundo de idéias e objetos cada vez mais complexos.

Dr. Bruce M. Tharp é engenheiro mecânico, designer industrial e antropólogo sócio-cultural, atualmente, professor assistente de Designed Objects na School of the Art Institute of Chicago (SAIC). Ele e sua esposa Stephanie Tharp, professora associada na Design University od Illinois-Chicago, estão atualmente trabalhando em um livro, entitulado Discursive Design. Além de seu trabalho acadêmico, eles possuem um studio, Materious, através do qual eles criam objetos passando pelos quatro campos.

Tradução Bruno Bonaldi

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